Por Redação
18 de novembro de 2025Geomarketing e mobilidade: como os supermercados redefinem estratégias de expansão com base em mapas, mobile data e hábitos de consumo
Especialistas da Mapfry e da Geobiz revelam como adotar inteligência geográfica para decidir onde abrir novas lojas, calibrar mix, ajustar comunicação e evitar erros estratégicos
A tomada de decisão sobre onde abrir uma nova loja deixou de ser um movimento baseado apenas na intuição ou na força da concorrência e passou a depender de análises estruturadas que integram mobilidade urbana, perfil sociodemográfico e hábitos de consumo. Com a crescente profissionalização do varejo alimentar, o geomarketing evoluiu de uma ferramenta restrita às grandes redes para uma tecnologia acessível e estratégica também para grupos regionais e locais. O avanço da disponibilidade de dados, somado à pressão competitiva do setor, levou consultorias especializadas a registrarem aumento na busca por estudos mais robustos, capazes de estimar potencial de vendas, orientar o layout e apoiar até mesmo campanhas de mídia digital.
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Ao analisar essa evolução, João Eduardo Caetano, professor de Geomarketing e fundador da Mapfry, ressalta o longo percurso histórico da disciplina no varejo. “Já em 1930 a rede norte americana Kroger Co consultava estudos de Geomarketing para expansão de suas unidades, que eram realizados pelo professor William Applebaum”. Segundo Caetano, a consolidação desse método ocorreu quando grandes redes internacionais chegaram ao Brasil, impulsionando sua adoção no mercado nacional.
O professor observa que o movimento atual demonstra uma mudança clara no perfil de quem utiliza tais análises. “A principal mudança que podemos observar nos últimos anos é que o Geomarketing passa a fazer parte da realidade de redes regionais e até locais, quando se trata da escolha de onde abrir”, diz. Para o especialista, as redes estão mais maduras na interpretação de dados, indo além de estudos tradicionais, e há um avanço na incorporação de cruzamento entre indicadores de desempenho e características do entorno. “Análises que comparam dados de desempenho, perfil do entorno, potencial de consumo e fluxo para ajustar sortimento e precificação tornaram-se parte do cotidiano operacional”, explica.
Missões de compra e o papel da mobilidade
Ao explicar como a integração entre dados de mobilidade, perfil sociodemográfico e comportamento de compra gera estratégias mais assertivas, Caetano destaca o conceito de missão de compra. “A missão de abastecimento, quando as famílias adquirem itens não perecíveis como alimentos básicos, produtos de limpeza e higiene pessoal, permite um deslocamento maior”, afirma. De acordo com o fundador da Mapfry, para esse tipo de consumo, o público tende a percorrer distâncias superiores e requer comunicação de maior alcance.
O professor observa que o cenário muda ao tratar de reposição. “Quando saímos para comprar itens perecíveis como laticínios e hortifruti, a compra é guiada pela conveniência, pouco adianta comunicar fora de um limitado raio no entorno da loja. A compra de emergência é ainda mais restrita e, para essa missão, basta uma boa localização”, analisa Caetano.
O executivo ainda destaca que essa compreensão permite que a expansão de lojas deixe de ser um processo incerto. “O planejamento de expansão deixa de ser ‘no escuro’, sendo possível estimar o potencial de vendas de uma nova unidade com base nas missões que ela pode atender. Isso impacta diretamente o layout e a comunicação com a comunidade local”, aponta.
Erros clássicos e caminhos mais seguros
O professor também aponta equívocos frequentes cometidos por varejistas ao interpretar dados geográficos. “É comum que as redes avaliem oportunidades de expansão olhando para a concorrência, se ela está fraca ou se vai bem demais, isso desperta o interesse. Contudo, essa prática pode levar a saturação ou desperdício de oportunidades. Outro erro recorrente é analisar territórios a partir de divisões administrativas, como bairros ou municípios, em vez de áreas de influência reais. Isso distorce a análise e leva a conclusões equivocadas”, alerta Caetano.
A solução, segundo o professor de geomarketing, está no uso de metodologias mais precisas. “A melhor forma de evitar distorções é trabalhar com consultorias capazes de criar áreas realistas de influência, trabalhar com apoio consultivo para desenho de áreas baseadas em tempo de deslocamento”, ensina o fundador da Mapfry.
Mobilidade urbana e potencial de faturamento
Marcus Oliveira, head de Inteligência Geográfica da Geobiz, destaca que o geomarketing se tornou essencial em um setor marcado pela concorrência acirrada. “Em um mercado cada vez mais concorrido e com margem de lucro estreita como é o setor varejista, o geomarketing tem sido uma ferramenta cada vez mais usada pelas grandes redes. Compreender o comportamento do consumidor é essencial para o mix, a precificação e a aderência da proposta de valor ao local”, diz.
Jayme Gorenstein, especialista em Analytics & Geodata, complementa explicando que dados de mobilidade urbana influenciam decisões estruturais da expansão. “Dados de mobilidade urbana ajudam a balizar com maior assertividade o dimensionamento do tamanho da loja. Esses dados permitem entender o perfil do cliente — local ou flutuante — e até estimar marketshare e faturamento”, explica.
Na avaliação conjunta dos especialistas da Geobiz, algumas informações são fundamentais para análises consistentes. “A demografia da região, como a renda, faixa etária, potencial de consumo, são dados fundamentais para conhecer o meu cliente. Para garantir a atualização das informações é importante verificar fontes oficiais e confiáveis como prefeituras, IBGE e empresas de pesquisas, além do trabalho de campo in loco”, afirma Gorenstein.
Resultados concretos e aplicações além da expansão
De acordo com os executivos da Geobiz, um estudo feito pela empresa para uma grande rede varejista da região de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, evidenciou grande chance de êxito por conta do fluxo diário de pessoas que saiam do município vizinho até a capital para trabalhar. “Outro exemplo é o de Betim, onde foi utilizada a estratégia de construir um mercado local junto a um centro comercial e um conjunto de condomínios, aproveitando-se do adensamento populacional daquela área. Vemos uso de geolocalização cada vez mais crescente em áreas como publicidade, prospecção e relacionamento com o cliente, principalmente para definir estratégias mais precisas”, destaca Marcus Oliveira.
Ao projetar o futuro, João Eduardo Caetano, professor de Geomarketing e fundador da Mapfry, destaca que a próxima etapa depende da qualidade dos dados disponíveis. “A integração de dados geográficos com a inteligência artificial ainda deve esbarrar na falta de informações consistentes por parte das redes. No entanto, acredito no potencial da evolução e, com dados estruturados, será possível simular cenários, personalizar ofertas e fortalecer estratégias de CRM. Muito do que já existe ainda não é aproveitado, o ideal seria começar por aí”, completa.
