
Por Redação
13 de outubro de 2025Especial Reforma Tributária: como a implementação deve influenciar no preço ao consumidor
Legislação promete simplificação e previsibilidade, mas transição pode causar volatilidade e repasses de custos aos clientes no varejo alimentar
A reforma tributária — que começará a ser implementada a partir de 2026 — deve redefinir a forma como os impostos incidem sobre o consumo e, consequentemente, alterar a formação dos preços nos supermercados. Com a criação do modelo de IVA Dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributos como PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI serão substituídos, dando origem a um sistema mais simples, transparente e não cumulativo. O objetivo é eliminar distorções históricas e uniformizar a cobrança de impostos em todo o país — mas, até que isso aconteça, o consumidor deve se preparar para um período de transição marcado por ajustes e variações pontuais nos preços.
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Segundo o advogado tributarista Ivson Coêlho, o impacto da reforma sobre o bolso do consumidor dependerá de como as alíquotas serão definidas e de como cada setor se adaptará ao novo modelo. “No curto prazo, a tendência é que o consumidor sinta oscilações nos preços, especialmente em produtos de primeira necessidade. O novo modelo deve eliminar distorções e cumulatividade, mas também deverá exigir ajustes de margens e reposicionamentos de preços”, afirma.
A fase de adaptação exigirá das empresas investimentos em tecnologia, capacitação e revisão de processos internos. “Haverá um custo inicial para adequação de sistemas, treinamento de equipes e revisão de contratos. Esses gastos tenderão a ser repassados, ao menos parcialmente, ao consumidor”, explica o advogado. A expectativa é que, após a consolidação do novo regime, as empresas consigam reduzir custos de conformidade e melhorar o aproveitamento de créditos tributários — o que, no médio prazo, deve favorecer a estabilidade dos preços.
Impacto conforme categorias
A reforma também deve provocar efeitos diferentes entre as categorias de produtos vendidos nos supermercados. Os itens da cesta básica, como arroz, feijão, carnes, leite e hortifrútis, deverão ter tratamento diferenciado, com isenção ou alíquotas reduzidas de IBS e CBS. “A ideia é preservar o poder de compra da população e evitar que o consumidor pague mais caro por itens essenciais”, pontua Coêlho. Já as categorias consideradas supérfluas — como bebidas alcoólicas, refrigerantes, cosméticos e produtos de perfumaria — devem ser impactadas por alíquotas mais altas e pela criação do Imposto Seletivo (IS), voltado a desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde.
A consequência natural será um reajuste desigual entre os setores. “Enquanto os alimentos básicos tendem à estabilidade ou leve redução, os produtos de maior elasticidade, como bebidas e cosméticos, provavelmente terão aumento. A tendência é que os supermercados vejam uma reacomodação de margens e volumes, mas sem grande impacto no conjunto da cesta de consumo”, avalia o advogado.
Para Guilherme Martins, membro do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (ABIACOM), os impactos serão sentidos de forma distinta também entre grandes redes e pequenos mercados de bairro. “As grandes redes têm estrutura de gestão, consultorias especializadas e sistemas mais robustos, o que deve facilitar a adaptação. Elas conseguem absorver os custos iniciais e aproveitar melhor os créditos tributários”, analisa.
Os pequenos supermercados, por sua vez, podem enfrentar mais dificuldade para se adequar às novas exigências. “Os mercados de bairro têm estrutura enxuta e menor suporte contábil. Por isso, podem demorar mais para ajustar seus sistemas e compreender as novas regras de apuração. Nesse período de transição, é natural que haja volatilidade nos preços e eventuais repasses de custos ao consumidor”, diz Martins.
O especialista acrescenta que o modelo de split payment, previsto na reforma e que prevê o recolhimento do imposto no momento da liquidação financeira, exigirá atenção especial à gestão de fluxo de caixa. “O tributo será recolhido automaticamente, o que pode reduzir a disponibilidade de capital de giro, especialmente para pequenos varejistas. Essa mudança estrutural pode gerar ajustes temporários de preços até que o mercado se adapte completamente”, explica.
Pressão inflacionária
Outro ponto de atenção é o risco de aumento temporário da inflação no primeiro ano de vigência da reforma. Ivson Coêlho avalia que a fase inicial deve ser marcada por incerteza e volatilidade. “Nos primeiros meses, as empresas ainda estarão se ajustando às novas regras de crédito e de apuração. É possível que haja cautela e repasses pontuais de custos. Por isso, uma leve pressão inflacionária é provável no curto prazo”, afirma.
Já Guilherme Martins, por sua vez, considera que esse risco é pontual e limitado. “Os alimentos da cesta básica serão desonerados, o que reduz a chance de uma inflação persistente. Além disso, 2026 será um ano de transição, com testes e ajustes graduais. Os efeitos mais nítidos devem aparecer apenas a partir de 2027, quando a CBS substituirá integralmente o PIS e a Cofins”, explica.
A médio e longo prazo, ambos os especialistas acreditam que a reforma trará benefícios para o mercado e para o consumidor. “O grande ganho da reforma é que ela permitirá que o crédito seja aproveitado em toda a cadeia produtiva. Isso significa que, na prática, haverá menos imposto embutido no preço final”, diz o advogado. Guilherme complementa que o novo sistema trará transparência e previsibilidade. “Com regras mais simples e uniformes, as empresas poderão planejar melhor seus preços e investimentos. Isso tende a gerar um ambiente mais estável e competitivo”, conclui.
Para o consumidor, o saldo final deve ser uma precificação mais justa, transparente e previsível, ainda que o caminho até lá envolva um período de ajustes. Como resume Ivson, “a reforma não é uma política de redução de carga, e sim de reorganização. A médio prazo, o ganho virá na forma de estabilidade e clareza tributária, o que já é um avanço enorme para a economia brasileira”.