
Por Felipe Teixeira
11 de julho de 2025Do planograma ao realograma: a operação como pilar do gerenciamento por categorias
Confira o primeiro artigo exclusivo de Felipe Teixeira, especialista em gerenciamento por categorias, para a SuperVarejo
Na prática, o que sustenta a estratégia de Gerenciamento por Categorias (GC) não é apenas o sortimento certo, mas a capacidade de execução no PDV — com planogramas que respeitam espaço, pessoas e processos.
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Por muito tempo, as práticas de GC estiveram restritas às grandes indústrias e aos grandes varejistas. Mas, atualmente — diante da globalização e da constante dança das cadeiras entre empresas e formatos — o conceito se difundiu.
E, mesmo ciente de que há tentativas mal-sucedidas e projetos renomeados como implementação de GC (mas que sequer flertam com o que a teoria da década de 80 prega), sabe-se que o tema se tornou popular em múltiplos segmentos.
Vejo isso com bons olhos. Afinal, como já dizia a máxima popular: “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. Não é mesmo?
Pois bem, o que vemos hoje, nacionalmente, é que está cada vez mais claro — até mesmo para o varejo ou as indústrias de pequeno e médio porte — o que é GC e como se deve executar os famosos 8 passos para se obter, ao menos, os bons resultados de um trabalho básico e bem-feito.
Obviamente, profissionais brasileiros de alto calibre, como Fátima Merlin (ligada diretamente ao criador do GC; e Brian Harris), fomentam a democratização do tema Brasil afora, inspirando dezenas de varejistas e indústrias a ingressarem nessa jornada.
Contudo, ainda há um bom caminho pela frente.
O próprio tema vem passando por uma espécie de atualização conceitual para se adaptar aos novos tempos e condições de mercado. O próprio Brian Harris já declarou a necessidade real de revisitar e atualizar os tão famosos 8 passos, trazendo à tona a estagnação da metodologia ao longo dos últimos 30 anos — em meio a uma realidade atual completamente plural e dinâmica, a fim de atender um shopper que deixou de ser padrão e previsível, e passou a ser cada vez mais fluido e desprendido na relação com marcas e formatos.
A complexidade para entender o shopper e atender às suas necessidades aumentou. Precisamos nos readaptar para sermos percebidos e considerados em sua escolha.
Paralelo a isso, temos um desafio que vejo ainda mais pulsante no Brasil — e que já enxergo como superado em países europeus: a melhoria dos índices de produtividade do time de Operações como um dos critérios cruciais para as definições de loja, sortimento, planograma e demais temas que envolvem o GC no centro das decisões.
Afinal, considerar os impactos causados a quem coloca o planejamento em prática no PDV, executando o planograma, é tão importante quanto os insights gerados após longos e ricos períodos de curadoria e validações multidisciplinares.
Por outro lado, de acordo com a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), temos 357 mil vagas de emprego no varejo e cerca de 400 mil lojas espalhadas pelo país, sendo um dos setores mais relevantes para a geração de empregos.
Além do baixo índice de desemprego atual, há outros fatores que acarretam essa realidade — como o fato de sermos, para a maioria dos jovens, uma opção de primeiro emprego. Vantajoso… até algo mais interessante surgir.
Esse paradoxo me faz refletir sobre o que estamos deixando de agregar aos novos talentos — mas também ao legado. Será que a rotina dos cargos operacionais está mapeada, fluída e direcionada para o bom funcionamento?
Em uma recente visita à Holanda, percorri muitas lojas e supermercados. Entre elas: Lidl, Aldi, Jumbo e Albert Heijn. E há um fator coincidente entre todas que me chamou atenção: todos os que operavam a loja estavam conduzidos por uma espécie de fluxo contínuo.
Sim, a atmosfera de padrão e processo é tão real e perceptível que, no mínimo, desperta curiosidade.
Com os olhos atentos e treinados em GC, conversei com alguns colaboradores dessas redes e, em uma delas, tive a oportunidade de adentrar as áreas internas, sob supervisão. Em pouco tempo, observei e identifiquei o que ali acontecia: GC como cultura.
Não me deixei iludir: vi ferramentas e tecnologias que suportam todos os processos, trazendo simplicidade para quem está na ponta. Porém, a dinâmica de trabalho ali presente acontece por alguns fatores:
Comunicação clara e direcionada. O time sabe o que tem que saber e quando tem que saber.
Papéis e responsabilidades claros e coerentes com a realidade de cada setor e categoria.
KPIs de performance mensurados e monitorados considerando tanto a performance global quanto a individual, permitindo identificar sobrecargas ou riscos.
Uma visão sistêmica — além do ERP — que permite a todos visualizar tarefas e rotinas de maneira integrada e gerenciável.
Mas o que isso tem a ver com GC? Tudo.
Ali ficou ainda mais evidente que a boa execução e a tão cobrada excelência operacional deixam de ser uma utopia quando são planejadas considerando a realidade de demanda, pessoas, processos e sistemas.
Com GC, não é diferente.
Sabemos que o processo para gerenciar uma categoria é intenso e robusto: exige curadoria, análises e validações que, por vezes, envolvem toda a hierarquia da companhia.
Porém, o que chega como resultado final para o time de Operações é apenas o planograma. Mais conhecido por nós, especialistas em GC, como “a ponta do iceberg”.
É comum ouvirmos feedbacks de que o planograma não atende às expectativas sob a ótica operacional.
Nos últimos anos, dando atenção e praticando escuta verdadeiramente ativa com o time de Operações, me deparei com diversas indagações. Entre elas:
- O que fazer quando o produto é novo e não está no planograma?
- O que fazer quando o produto foi inativado e ainda consta no planograma?
- O que fazer quando a quantidade de produtos na caixa não cabe inteiramente na gôndola?
- Onde consultar o planograma?
- O que fazer quando a medida do produto no planograma está errada?
- O que fazer quando a foto do produto no planograma não condiz com a realidade?
São dúvidas genuínas — e até simples — mas que, pela falta de processo e comunicação clara, causam efeitos desastrosos a todo o trabalho de GC.
Algumas delas podem (e devem) ser sanadas com processos e definições. Mas há outras que exigem um nível de entrega final superior ao time responsável pelo GC — que, em sua maioria, entende que o entregável é apenas o planograma.
Entre essas dúvidas, chamo atenção para um ponto recorrente: as caixas das mercadorias, muitas vezes, não cabem por completo na exposição prevista. Isso causa retrabalho ao time de Operações, que precisa rearmazenar o saldo remanescente em outro local que não a gôndola.
Por que não considerar esse fator — mesmo que de forma ponderada — na confecção do planograma?
É exatamente esse efeito que se vê nas lojas do Aldi e Lidl: caixas transportadas em carrinhos-prancha são perfeitamente encaixadas nos espaços vazios do PDV. Em uma das minhas experiências corporativas, me deparei com esse desafio: como melhorar essa questão de modo que seja percebido pelo nosso primeiro cliente — o time de Operações?
Após semanas de trabalho e revisão dos planogramas e sortimento, usamos uma loja como piloto e outra como controle. Simultaneamente a uma análise criteriosa de sortimento, buscando ganhos de market share e performance por categoria, tomamos decisões com o Comercial.
Como resultado: cerca de 49% dos produtos passaram a caber com uma caixa inteira na loja piloto, versus a loja controle.
E o feedback foi imediato: o time de Operações relatou que operar diversas categorias se tornou mais fluido, com menos retrabalho.
Esse exemplo nos mostra que, ao contemplar causa e efeito ao time de Operações, entregamos em GC uma série de fatores que devem ser considerados na tomada de decisão. Afinal, o resultado final do trabalho de GC não é o planograma. É a constância e aplicabilidade dele.
Ou, como gosto de chamar: o realograma.
Pensar no quanto o planograma consegue ser realmente executável e mantido pelo time de Operações é essencial para a obtenção de resultados sustentáveis e promissores. Fica claro que, ao mesmo tempo em que há inovação nos esperando para novos rumos do GC, ainda há necessidades básicas clamando por atenção.
Evoluir de maneira simultânea — e até trazendo complementariedade entre esses dois lados — é possível. Mas negligenciar qualquer um desses fatores pode ser desastroso e comprometer os resultados a longo prazo. Seja em vendas, seja em pessoas.