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Varejo
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Por Redação
4 de junho de 2025

O que é recuperação judicial? Entenda como processo funciona

Ferramenta pode ser utilizada para reestruturar empresas que enfrentam dificuldades financeiras e precisam viabilizar a sobrevivência do negócio

Quando uma empresa enfrenta uma crise financeira profunda, com dívidas impagáveis e risco iminente de falência, a recuperação judicial surge como uma alternativa para evitar o colapso. No setor supermercadista, que lida com margens apertadas, concorrência acirrada e oscilações econômicas constantes, esse recurso tem se tornado cada vez mais comum. Redes conhecidas do grande público recorreram recentemente a esse instrumento na tentativa de manter suas portas abertas e reorganizar suas finanças. Mas afinal, o que é recuperação judicial e como ela funciona na prática?

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Confira os principais pontos:

O que é recuperação judicial?

A recuperação judicial é uma ferramenta prevista na Lei nº 11.101/2005, que é considerada social, pois permite que empresas em crise financeira forcem a negociação de suas dívidas, com proteção e supervisão judicial, podendo evitar falências. “Dessa forma, as empresas têm a possibilidade de continuar provendo seus serviços à sociedade, pagando os impostos, mantendo os empregos e a concorrência”, informa Roberta Gonzaga, sócia da consultoria RGF e especialista em reestruturação.

Quando a recuperação judicial é necessária?

Quando a crise financeira sai do controle, incluindo o chamado caixa estrangulado, com aumentos recorrentes nos atrasos de pagamentos de fornecedores, bancos, fisco, folha de pagamento etc. “Ela costuma ser inevitável quando o número, diversidade ou perfil dos credores impedem negociações diretas das dívidas e há forte risco de bloqueios de conta podendo causar a perda da operação”, explica Roberta.

Em que casos a RJ é inviável?

De acordo com Claudio Felisoni de Angelo, presidente do IBEVAR (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo) e idealizador do MBA Varejo da FIA, a recuperação judicial é inviável quando as condições claramente são incompatíveis com a continuidade do processo. “Ou seja, o tamanho das dívidas e a natureza da operação e os fluxos de caixa são incompatíveis com as possibilidades de um processo de reestruturação. Mas, de modo geral, cria-se uma oportunidade para que a empresa possa superar essas dificuldades”, comenta.

Na prática a recuperação judicial é um recurso, não uma estratégia. Antes de entrar, é preciso uma preparação. A empresa precisa ter caixa para sobreviver o período sem novos acúmulos de passivos, caso contrário pode ser convertida em falência. Segundo Roberta, da RGF, isso só é possível através de uma estratégia mais ampla, com uma revisão profunda do modelo de negócio e da operação, garantindo que existe um plano verdadeiramente viável. Só renegociar dívida não sustenta uma virada.

Quanto tempo costuma demorar um processo de RJ e quais são as etapas?

Uma recuperação judicial gira de dois a quatro anos, podendo se estender conforme a complexidade do passivo, número de credores, judicializações e a qualidade da gestão do processo.

O cronograma típico/padrão inclui:

· Protocolo e deferimento do pedido pelo juiz: com nomeação do administrador judicial. É um processo rápido se a documentação estiver correta e a empresa tiver se preparado. Apresentação do plano de recuperação: a empresa deve elaborar e apresentar ao juiz um plano detalhado de recuperação, que inclui medidas como reestruturação de dívidas, venda de ativos, cortes de custos ou aumento de capital.

· Publicação e objeções ao plano: após a apresentação, o plano é publicado e os credores têm a oportunidade de analisá-lo e apresentar objeções.

· Assembleia Geral de credores (AGC): a empresa deve convocar os credores para discutir e votar a aprovação ou rejeição do plano de recuperação.

· Homologação do plano pelo juiz: “se aprovado na Assembleia Geral de Credores, o juiz homologa o plano, tornando-o obrigatório para a empresa e os credores. Caso o plano seja rejeitado, o juiz pode decretar a falência da empresa”, explica Mauricio Lacerda, professor de Direito Empresarial da ESPM.

· Execução do plano aprovado: a empresa implementa as medidas previstas no plano, como pagamento de credores, reestruturação operacional ou venda de ativos. O administrador judicial acompanha o cumprimento. “É a etapa mais longa e crítica. É onde as empresas podem correr o risco de falhar, por falta de controle de caixa, desalinhamento com credores ou metas financeiras mal dimensionadas”, fala Roberta.

· Encerramento: ocorre após o cumprimento integral do plano ou fim do prazo de fiscalização judicial, geralmente homologado judicialmente. “O fim do processo acontece quando a empresa consegue efetivamente retomar suas atividades sem que haja necessidade de manter esse regime especial ou quando o plano é cumprido. Caso o plano não seja cumprido, a empresa vai ter que encerrar suas atividades com a decretação de uma falência”, detalha Gustavo Kloh, professor da FGV Direito Rio.

Cenário do varejo alimentar

Em se tratando de supermercados, esse contexto conta com características muito específicas que exigem atenção. O setor de varejo alimentício opera com margens apertadas, capital de giro constantemente pressionado e uma operação baseada em alto giro de estoque. Qualquer desequilíbrio pode impactar fortemente o caixa.

Além disso, conforme lembra a executiva da RGF, o relacionamento com fornecedores é altamente sensível. Muitas vezes, um atraso nos pagamentos já compromete o abastecimento, afetando diretamente a imagem da loja e a percepção do cliente. “Diferente de outros setores, onde a crise pode ser menos visível, aqui ela aparece na gôndola vazia”, comenta Roberta.

“Na verdade, o supermercado é um excelente modelo de recuperação judicial, porque é bem normal, bem comum, que o supermercado continue operacional com seus funcionários, comprando, vendendo, faturando. O supermercado é muito pautado por uma compra necessária, não eletiva, de item essencial. Ou seja, se o supermercado entra em recuperação judicial, o cliente não deixa de entrar nele para comprar açúcar, feijão e farinha”, conta Gustavo, da FGV.

Roberta observa que muitos supermercados regionais ou familiares crescem rapidamente, com base em expansão física, sem o devido fortalecimento da estrutura financeira e de gestão. Isso resulta em estoques desalinhados com o giro real, decisões de investimento mal calibradas e pouca capacidade de reação diante da queda de receita, especialmente em um cenário de crédito mais restrito do consumidor. A natureza operacional do setor exige fôlego de curto prazo, eficiência de capital e disciplina financeira.

Estatísticas e exemplos

O setor de supermercados, que faz parte do pilar de Comércio no Monitor RGF de Recuperação Judicial, vem ganhando relevância nas estatísticas. Desde o 2º trimestre de 2023, o número de empresas do varejo alimentar em recuperação judicial cresceu 60%, totalizando 72 empresas ao final do 1º trimestre de 2025.

Esta situação acontece pela combinação de margens apertadas, vulnerabilidades operacionais e mudanças de comportamento do consumidor. Mesmo em um setor essencial, o encolhimento da renda disponível e a restrição ao crédito têm reduzido o ticket médio. O consumidor continua comprando alimentos, mas gasta menos, o que pressiona a receita das empresas.

Esse contexto macro se soma a desafios estruturais do setor. Estoques muitas vezes mal dimensionados e desalinhados com o giro, especialmente em razão do alto volume de produtos perecíveis, comprometem o capital de giro. Do lado do mercado, a alta volatilidade de custos (influenciada por sazonalidades, combustíveis e câmbio) e a dificuldade de repasse ao consumidor final comprimem as margens. Tudo isso em um ambiente de concorrência acirrada e guerra de preços.

Casos como o da rede Dia, que teve o plano de RJ aprovado em 2024 após sucessivos fechamentos de lojas e deterioração operacional, ilustram os riscos de modelos mal adaptados ao novo ambiente competitivo. Outras redes regionais vêm enfrentando trajetórias semelhantes, o que reforça que a recuperação judicial deixou de ser um evento isolado no setor.

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Além das RJs, há outros movimentos relevantes, como é o caso do St Marche, que busca reestruturação através de uma recuperação extrajudicial, um instrumento diferente definido dentro na mesma lei, com o mesmo objetivo central: reorganizar a empresa para que ela volte a ser viável. “O exemplo mais emblemático de todos não é propriamente um supermercado, mas está ligado ao varejo. É o caso das Americanas em virtude daquele problema todo que foi deflagrado nos balanços da empresa. A empresa teve a sua recuperação judicial aceita e está em tramitação", diz Lacerda, da ESPM.

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